segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Mudanças de comportamento

"Definitivo, como tudo o que é simples.
Nossa dor não advém das coisas vividas,
mas das coisas que foram sonhadas e não se cumpriram.

...

Por que sofremos tanto por amor? O certo seria a gente não sofrer, apenas agradecer por termos conhecido uma pessoa tão bacana, que gerou em nós um sentimento intenso e que nos fez
companhia por um tempo razoável, um tempo feliz.

Como aliviar a dor do que não foi vivido? A resposta é simples como um verso:

Se iludindo menos e vivendo mais!
A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida
está no amor que não damos, nas forças que não usamos,
na prudência egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-se do
sofrimento, perdemos também a felicidade.

A dor é inevitável.
O sofrimento é opcional..."

(Trechos de "Definitivo" - Carlos Drummond de Andrade)


Nada muda, ninguém se transforma, por mais que tente. Dias, semanas, meses, anos se passam no processo, porém não é o virar de uma folha de calendário que vai fazer a diferença. Quando a inadequação é o nome e o desejo é o verbo, a decepção invariavelmente surge como o predicado. Será que a questão é reformular esta sentença? Troque seu sujeito, mude seu verbo que o predicado será outro?

Mas como fazer isso quando a mente grita, o coração late e a vontade é incontrolável? Enquanto isso, encantos vão deixando o coração em frangalhos. E os dias, semanas, meses, anos continuam a passar e só resta absorver e digerir cada história.

Nesses períodos, penso se não seria melhor desistir de tudo, retirar-me para uma montanha e virar um ermitão. Ou então me transformar num canalha insensível que não se importa com nada, arrancar o coração do peito e colocá-lo num freezer. Assim, quando tiver uma recaída, bastará abrir a porta e ver aquilo tudo despedaçado para voltar ao bom senso.

Olha os gêmeos aí de novo ilustrando o post. Não sabe quem? Veja aqui!

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Ditadura vida

"Melhor ser temido do que amado". A lição de Maquiavel tinha sido muito bem aprendida por ele. Desde que assumiu o governo de sua pequena república, aniquilou a oposição, perseguiu adversários, calou protestos. Mas ainda não estava satisfeito. Logo ali, do outro lado da fronteira, era chamado livremente de ditador cruel, brutal tirano, genocida sanguinário. Achou que precisava dar um "upgrade" em sua imagem.

Por sorte, na mesma época começava o movimento mundial do "politicamente correto". Embora nunca tenha se considerado um "político" (uma de suas primeiras medidas quando tomou o poder foi justamente mandar fuzilar todos que encontrou, num dos poucos momentos em que contou com aplausos do povo), pensou que poderia aproveitar a onda. Protamente ordenou que os (poucos) opositores deixassem de ser assim chamados, passando a ser classificados como "ideologicamente equivocados". Os adversários, por sua vez, viraram os "posicionalmente mal colocados". Já os que ainda conseguiam protestar eram os "vocalmente enganados".

Mas só trocar nomenclaturas não era o suficiente. Travou contato com termos como "responsabilidade social", "ecologia", "sustentabilidade" etc. E foi esta última que passou a ser objeto de sua obsessão. Determinou então que tudo em seu país deveria ser "sustentável", a começar pelas políticas de governo.

Cancelou todos os fuzilamentos. A alegria - e alívio - do povo, porém, durou pouco. logo decretou que as execuções deveriam ser por enforcamento. Afinal, eles iriam estimular o plantio de árvores para pendurar os condenados, de sisal para fazer as cordas etc. Além disso, os corpos poderiam ser usados como adubo, sem o risco da contaminação da terra por chumbo e outros metais pesados usados nas balas. Ficou feliz: era o criador do primeiro "genocídio sustentável" da história mundial!

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Off topic

É, não consegui fechar nenhum dos textos que estava aprontando para o post desta semana... Então, deixo para meus parcos leitores genial monólogo de "American gods", por Neil Gaiman, sobre crenças. Afinal, como bem disse Martinha, de quem roubei a frase, o que importa é o que acontece entre a São José e o São João!

I can believe things that are true and I can believe things that aren't true and I can believe things where nobody knows if they're true or not. I can believe in Santa Claus and the Easter Bunny and Marilyn Monroe and the Beatles and Elvis and Mister Ed.
Listen – I believe that people are perfectible, that knowledge is infinite, that the world is run by secret banking cartels and is visited by aliens on a regular basis, nice ones who look like wrinkledy lemurs and bad ones who mutilate cattle and want our water and our women.
I believe that the future sucks and I believe that the future rocks and I believe that one day White Buffalo Woman is going to come back and kick everyone's ass. I believe that all men are just overgrown boys with deep problems communicating and that the decline of good sex in America is coincident with the decline in drive-in movie theaters from state to state.
I believe that all politicians are unprincipled crooks and I still believe that they are better than the alternative. I believe that California is going to sink into the sea when the big one comes, while Florida is going to dissolve into madness and alligators and toxic waste.
I believe that antibacterial soap is destroying our resistance to dirt and disease so that one day we'll all be wiped out by the common cold like the Martians in War of The Worlds.
I believe that the greatest poets of the last century were Edith Sitwell and Don Marquis, that jade is dried dragon sperm, and that thousands of years ago in a former life I was a one-armed Siberian shaman.
I believe that mankind's destiny lies in the stars. I believe that candy really did taste better when I was a kid, that it's aerodynamically impossible for a bumblebee to fly, that light is a wave and a particle, that there's a cat in a box somewhere who's alive and dead at the same time (although if they don't ever open the box to feed it it'll eventually just be two different kinds of dead), and that there are stars in the universe billions of years older than the universe itself.
I believe in a personal god who cares about me and worries and oversees everything I do. I believe in an impersonal god who set the universe in motion and went off to hang with her girlfriends and doesn't even know that I'm alive. I believe in an empty and godless universe of causal chaos, background noise, and sheer blind luck.
I believe that anyone who says that sex is overrated just hasn't done it properly. I believe that anyone who claims to know what's going on will lie about the little things too. I believe in absolute honesty and sensible social lies too. I believe in a woman's right to choose, a baby's right to live, that while all human life is sacred there's nothing wrong with the death penalty if you can trust the legal system implicitly, and that no one but a moron would ever trust the legal system.
I believe that life is a game, that life is a cruel joke, and that life is what happens when you're alive and that you might as well lie back and enjoy it.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Anatomusa



Os olhos são as janelas da alma e as portas do desejo,
As pontes do encontro e os abismos da perdição.

A boca é a flor da calma e o doce do beijo,
O sabor do encanto e a fonte da união.

O cabelo é a trama da rede e a coroa da ambição,
A perfeita moldura e a cor da paixão.

As mãos são o veludo do toque e a dor do empurrão,
As amarras do porto e o abraço da ilusão.

Os seios são o terreno aberto e as montanhas da aflição,
O convite ao descanso e o caminho da oração.

De cada parte sua eu tiro uma lição,
Mas é você inteira quem roubou meu coração.

Na imagem, novamente os gêmeos Fábio Moon e Gabriel Bá. Não foi ainda? Então !

domingo, 4 de outubro de 2009

Versões e subversões

Versões podem ser simples plágios. Versões podem ser homenagens. Mas e quando a versão tenta melhorar ou adaptar o original? Quando a versão da história é melhor que o fato, quando se conta um conto e se aumenta um ponto? A versão pode, ou deve, ser uma evolução?

Para os nostálgicos e conservadores, a resposta é quase sempre "nunca!". Para os críticos, "às vezes". Mas penso que elas também podem servir o público tomar contato com obras "esquecidas", ampliar horizontes, criar novas associações, ter diferentes perspectivas.

Comecei a refletir sobre o assunto diante da enxurrada de remakes e refilmagens que Holywood vem produzindo nos últimos anos e vai continuar fazendo nos próximos. Para além da falta de criatividade, o que me perturba são realizações que me forçam a concordar com aqueles nostálgicos e conservadores: certas obras não merecem, nem devem, ser "tocadas" ou alteradas.

Só dois exemplos recentes e em extremos, para não me estender muito. De uma clássica alegoria sobre a paranóia comunista e o medo de uma hecatombe nuclear dos anos 1950, "O dia em que a Terra parou" virou um pirotécnico e vazio espetáculo. E o "Alfie" de Jude Law ia bem até chegar a um fim "redentor" e politicamente correto para o misógino personagem original de Michael Caine.

Mas o que me levou a escrever sobre isso foi uma experiência mais pessoal. Há muitos anos cito nas mais variadas conversas uma crônica do Veríssimo, "Grande Edgar", que aborda um problema do qual sofro: não lembrar nomes ou de onde conheço pessoas que me abordam em certas situações. E minha vergonha só cresce com o fato delas se lembrarem muito bem de mim, me chamarem de "Cesinha" na maior intimidade etc.

Pois bem. Esta semana fui reler um daqueles livros que compilam as crônicas do gaúcho, "As mentiras que os homens contam", e logo a primeira delas era justamente esta (e já estou roubando aqui. Claro que só lembrei o nome da crônica por isso...). Achei que a versão que eu conto é mais engraçada e, porque não dizer, "completa" que a original. Estranhei mais ainda a ausência do punchline final que sempre falei e atribuia ao autor. Então quer dizer que fui eu que inventei este punchline?

Não que o texto do Veríssimo não seja brilhante, como sempre é, mas encasquetei e decidi: vou continuar a contar a minha versão e atribuí-la ao consagrado autor. Mentir mesmo. Afinal, se não gostarem da história, melhor que culpem ao Veríssimo do que a mim!

Na imagem, quadro do surrealista russo Vladimir Kush
 
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