domingo, 4 de outubro de 2009

Versões e subversões

Versões podem ser simples plágios. Versões podem ser homenagens. Mas e quando a versão tenta melhorar ou adaptar o original? Quando a versão da história é melhor que o fato, quando se conta um conto e se aumenta um ponto? A versão pode, ou deve, ser uma evolução?

Para os nostálgicos e conservadores, a resposta é quase sempre "nunca!". Para os críticos, "às vezes". Mas penso que elas também podem servir o público tomar contato com obras "esquecidas", ampliar horizontes, criar novas associações, ter diferentes perspectivas.

Comecei a refletir sobre o assunto diante da enxurrada de remakes e refilmagens que Holywood vem produzindo nos últimos anos e vai continuar fazendo nos próximos. Para além da falta de criatividade, o que me perturba são realizações que me forçam a concordar com aqueles nostálgicos e conservadores: certas obras não merecem, nem devem, ser "tocadas" ou alteradas.

Só dois exemplos recentes e em extremos, para não me estender muito. De uma clássica alegoria sobre a paranóia comunista e o medo de uma hecatombe nuclear dos anos 1950, "O dia em que a Terra parou" virou um pirotécnico e vazio espetáculo. E o "Alfie" de Jude Law ia bem até chegar a um fim "redentor" e politicamente correto para o misógino personagem original de Michael Caine.

Mas o que me levou a escrever sobre isso foi uma experiência mais pessoal. Há muitos anos cito nas mais variadas conversas uma crônica do Veríssimo, "Grande Edgar", que aborda um problema do qual sofro: não lembrar nomes ou de onde conheço pessoas que me abordam em certas situações. E minha vergonha só cresce com o fato delas se lembrarem muito bem de mim, me chamarem de "Cesinha" na maior intimidade etc.

Pois bem. Esta semana fui reler um daqueles livros que compilam as crônicas do gaúcho, "As mentiras que os homens contam", e logo a primeira delas era justamente esta (e já estou roubando aqui. Claro que só lembrei o nome da crônica por isso...). Achei que a versão que eu conto é mais engraçada e, porque não dizer, "completa" que a original. Estranhei mais ainda a ausência do punchline final que sempre falei e atribuia ao autor. Então quer dizer que fui eu que inventei este punchline?

Não que o texto do Veríssimo não seja brilhante, como sempre é, mas encasquetei e decidi: vou continuar a contar a minha versão e atribuí-la ao consagrado autor. Mentir mesmo. Afinal, se não gostarem da história, melhor que culpem ao Veríssimo do que a mim!

Na imagem, quadro do surrealista russo Vladimir Kush

Um comentário:

  1. John Waters dizia que os cineastas deviam fazer remakes apenas dos filmes ruins. Os grandes filmes já são grandes, os ruins é que você pode melhorar...

    ResponderExcluir

 
Load Counter
massage table